terça-feira, 7 de junho de 2011

Demolindo preconceitos, re-conhecendo a intolerância e a desinformação

A foto de capa do filme alemão A Onda, de Dennis Gansel, baseado em fatos verídicos ocorridos em 1967, nos EUA, onde um professor de costas, com camisa branca, fala em assembléia escolar para um grupo de seus alunos, todos vestidos de camisas brancas, uniformemente, após uma tentativa do mestre de ensinar o que é Autocracia. Devido ao desinteresse dos jovens, no ensino médio, ele propõe um experimento grupal que explique, na prática, os mecanismos do fascismo e do poder. O professor Wegner se denomina o líder daquele grupo, escolhendo o lema "força pela disciplina" e dá ao movimento o nome de A Onda. Um filme que merece discussão e reflexão sobre a presença de um personagem muito próximo do que se tornou o jovem Wellington na Escola Tasso, em Realengo... Incita-nos a perguntar se os fascimos podem ser replicados e reatualizarem-se?
Recebi um comentário no blog que me reforçou o desejo da escrita. O amigo Vinicius Garcia foi quem me apontou uma tríade de palavras inbricadas: os preconceitos, a desinformação e a intolerância. Este comentário se somou ao que já vinha pensando sobre os mais recentes preconceitos que se difundiram pelas Mídias e sua Idade Mídia Global.
O momento, com as hiperexposições e des-informações por segundo, exige, portanto, uma reflexão sobre os conservadorismos e, principalmente, sobre os microfascismos que se manifestam contra os movimentos, marchas, legislações e protestos anti-homofobia e anti-racismos, por exemplo.
A questão do preconceito já estava fervendo na ponta digital de minha ''pena''. Escrevo para o Vinicius e outros companheiros da Vida Independente, com esta pena/escrevinhadora, hoje um teclado, que nos tempos das missivas permitiu muitas revoluções, mas também foi o instrumento de alicerce de alguns preconceitos que ainda nos transversalizam. Foi a escrita que perenizou alguns dos mais renomados textos sobre formas de segregar, excluir e penalizar/exterminar as diferenças marginalizadas.
Como dizem, hiperbólicamente: correram muitos rios de sangue, tortura e fogo, desde o Malleus Maleficarum (o martelo das Bruxas), dos tempos de Inquisição, até os textos que os eugenistas, nazistas e outros ''istas'' nos legaram. E o fogo que, outrora, incendiou as bruxas tornou-se câmaras de gás, e os métodos de tortura agora se aprimoram em novos campos de exceção imperialistas.
Um exemplo do processo de formação e construção do preconceito vem por exemplo da idéia de ''raça pura''. A releitura de um excelente texto sobre o tema é o livro de Pietra Diwan, que o sobrenome me atrai pelo homônimo divã. Um divã onde o livro traz a tona um personagem do movimento eugênico brasileiro: o médico e farmacêutico Renato Kehl. Este senhor teve muitos amigos ilustres. E muitos eram escritores famosos. O que mais me tocou foi a sua relação estreita com o ''nosso'' Monteiro Lobato. O livro Raça Pura é, por isso, hoje um motivo de constantes re-leituras de meus conceitos e pré-conceitos.
O que você(s) pensaria(m), se pudesse(m) controlar seus pre-conceitos, ao ler o que Lobato afirmou? O nosso escritor escreveu: "[...] país que nasce torto não endireita nem a pau. A receita [...] para consertar o Brasil é a única que me parece eficaz. Um terremoto de 15 dias, para afofar a terra; e uma chuva de... adubo humano de outros 15 dias, para adubá-la. E começa tudo de novo. Perfeita, não?".
Esta é uma parte de uma missiva (carta) de Lobato para Kehl, que teve seu livro " A Cura da Fealdade" publicado, em 1923, trazendo na sua capa o subtítulo: Eugenia e Medicina Social. Logo abaixo do título pode-se ler: "A sciencia de Galton é o pedestal da religião que tem por escopo a regeneração da humanidade''. Um livro publicado por Monteiro Lobato&Co. Editores, em 1923, São Paulo, SP.
Espero que esta informação tenha os tenha chocado assim como me chocou. Eu que li toda a obra, ainda nos tempos da ''escola primária'' pude constatar o motivo do banimento hoje dos pré-conceitos lobatianos do ensino fundamental brasileiro. Espero, também, que incomode aos que estão negando a presença de preconceitos e de racismos, ora sutis ora gritantes, na obra do autor reconhecido.
Acredito e desejo que tenhamos desenvolvido uma crítica, que até poderá ser chamada de preconceituosa, sobre o uso da escrita e da informação para fins ideológicos e intolerantes. Alguns defenderão que a época era propícia para estes posicionamentos ou crenças. Mas assim se defenderam os defensores da Ku-Klux-Kan e dos Apartheids. Assim se defendem os deputados racistas, saudosos dos Anos de Chumbo, ou evangélicos homofóbicos, temerosos.
Os anos 20 e 30 do século passado ainda estão presentes no século XXI. Temos, porém, de relembrar que nesse mesmo período e época é que se desenvolvem os melhores escritos de pensadores como Freud e alguns outros demolidores de preconceitos. Nessa direção é que deve-se pensar a raíz dos preconceitos e da intolerância. Estas raízes sâo e foram apenas a utilização da des-informação dos ''cultos'', e podia se tornar um simulacro.
Nossos ''escritores'', como os eugenistas, construiam teses, ocupavam espaços das letras e da cultura. Eles eram impregnados pelas informações, a maioria de origem eurocêntricas e racistas, e as torciam ou distorciam de acordo com os mais arraigados pre-conceitos em suas mentes e vidas. O contágio de idéias de eugenia e higiene mental caminharam, abertamente, de braços dados nos primeiros anos do século XX. A medicina e a educação estiveram mais unidas do que antes na busca de "um povo branco e eugenicamente belo".
Talvez, com um pouco de paciência e persistência, possamos reencontrar nos discursos atualizados por deputados ou moralistas religiosos a pretensa Sociedade Eugênica de Kehl ou Lobato. Os eugenistas tinham, assim como uma Onda higienizadora, como pretensão: "Os intuitos da doutrina eugênica podem ser resumidos nos itens: 1º- fazer com que pessoas bem dotadas (geneticamente) ou, mais claramente, as pessoas fortes, equilibradas, inteligentes, portanto de linhagem hereditária sadia, tenham o maior número de filhos; 2º - que as pessoas inferiormente apresentáveis (doentes, taradas e miseráveis) não tenham filhos."
Hoje, biopoliticamente classificado, permanecem em uma multidão de 16 milhões dos que sobrevivem na ''pobreza extrema'', na sua maioria composta por negros e pardos. Essa multidão deve ser erradicada. Com ou sem preconceitos?
Como vemos a questão do preconceito tem e teve muitas nascentes. A gênese que me interessa é a que parte dos nossos âmagos, aquela que se entorpece e se alimenta de nossas estranhas entranhas humanas. É o que fazemos quando naturalizamos o que nos é ensinado e transmitido, sem construção crítica e auto-crítica.
O melhor exemplo é que fazemos com as famosas frases de senso comum, aquelas que até o criador do Sítio do Picapau Amarelo torna em ''verdades universais'', como a de que nós brasileiros e o nosso país ''já nascemos tortos'', ou melhor deficientes ou anormais. E como devemos, preconceituosamente, sermos ''endireitados''? Tornando nossos olhos azuis e nossos cabelos ''ruins'' em longas e lisas cabeleiras nórdicas ou arianas?
Milton Santos nos indica uma reflexão indispensável sobre as Cidadanias Mutiladas no processo brasileiro de construção de sujeitos políticos. Ele afirma que: "A instrução superior não é garantia de individualidade superior. A cidadania não é garantia de individualidade forte. Nem a individualidade forte é garantia de cidadania e liberdade...".
Assim como é, diz ele, ''o meu caso'', pois: "O meu caso é como de todos os negros deste país, exceto quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção, além de ser constrangedor para aquele que o é, constitui algo momentaneo, impermantente, resultado de uma integração casual."
Por isso é que afirmo, apesar de minha instrução ''superior'', que devo ser ainda, por alguns, visto e lido como uma 'diferença' ou exceção. E, aí residem as prováveis análises das situações de preconceito no Brasil. Estas devem ser fundamentadas em um estudo da formação sócio-econômica brasileira.
Eis um tema ao qual o amigo Vinicius tem como predileção e investigação. Mas ele também pode vir a ser visto como exceção. A sua condição de um economista com uma deficiência física pode ocupar a mesma noção de superioridade em um tempo, se falarmos dele como um Doutor da Unicamp, porém, em nossas mentes preconceituosamente alimentadas, podemos mantê-lo preso a sua cadeira de rodas e à inferiorização dos eugenistas por sua condição diferenciada.
Nesse instante, a Tv nos anunciam o programa do Governo de ''erradicação da pobreza extrema" e a construção de novos mapeamentos da miséria brasileira. Louvável, se pudermos aliar a esta ação biopolítica o reconhecimento da manutenção das misérias humanas que se alimentam vorazmente dos preconceitos, da intolerância e, em tempos midiatizáveis da Era do Acesso, da desinformação e alienação de milhares de cidadãos e cidadãs.
Há, para além de macropolíticas, a presença de um clima internacional contra as raças consideradas ''inferiores''. A intolerância vai além da raças e etnias. Os preconceitos se retroalimentam na globalização e no fomento de guerras de falsa liberação das ditaduras, a exemplo da Líbia. Por isso, perversamente, naturalizam-se os preconceitos, os racismos e as discriminações. Eles continuam a ser os ''bárbaros'' e nós, ocidentalmente, os ''civilizadores''? A fome de lá é diferente da fome de cá?
Nós temos também fome de um outro modo de aprender sobre a exclusão social. O que seria um grande aliado deste programa será a garantia, além da água, do saneamento e da moradia, deve ser a indispensável inclusão escolar.
É urgente a afirmação de uma educação em e para os Direitos Humanos. Eis, a meu ver, um antídoto a ser aplicado a todos e todas na construção de uma erradicação do melhor fermento para os preconceitos: a idéia de que os mais pobres são e serão sempre ignorantes, portanto, eugenicamente inferiores.
E aplicado o antídoto inclusivista, quem sabe a Terra Brasilis não se abalará por ''tremores lobatianos'' para afofar o solo e sepultar essas massas. Essas massas humanas que tanto incomodam aos mais abastados e ricos, a exemplo do metrô em Higienópolis, assim como aos mais extremistas que repetem discursos fascistas, xenofóbicos, homofóbicos ou racistas.
Que tal, implicado ao Plano Brasil Sem Miséria, termos um plano ativo de um Brasil Livre dos Preconceitos? ou isso nos custa, individual e coletivamente, um esforço que vai além dos recursos econômicos? O Brasil pode ter nascido torto, como a árvore que deu nome, como muitos dos ''defeituosos'' e suas raízes genéticas, mas não será seu "endireitamento" que trará soluções, nem micro e nem macropolíticas, mas sim uma construção ativa de novos e reais espaços de liberdade e dignidade...
E,então,nascida nas escolas, nas esquinas, nas ruas e nas mentes... E todas as marchas serão respeitadas e diferenciadas. E todos os pobres, e as nossas misérias, torna-se-ão visíveis.


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